Os problemas e perguntas filosóficas até hoje não respondidas têm se tornado cada vez mais problemas de engenharia.
Vejamos o famoso “dilema do trem” em que este veículo desgovernado passará em cima de cinco pessoas e você tem o poder de mudar a direção deste e atropelar apenas uma. Não há uma resposta certa e categórica ou mesmo moralmente aceita.
Simplificando e reduzindo somente a este exemplo, para os utilitaristas faz sentido desviar o trem na medida em que irá obedecer a regra de outro de maior felicidade e menor dor. Entretanto, uma visão do imperativo categórico kantiano iria nos instruir que não devemos agir a partir das possíveis consequências, mas sim a partir de leis universais que uma pessoa jamais poderia ser utilizada como um instrumento. Ao alterar a rota do trem e atropelar um indivíduo em detrimento dos cinco, este seria usado como instrumento para salvar os demais.
Este dilema não tem uma resposta definitiva em termos de filosofia, mas Yuval Harari em seu livro 21 lições para o século XXI aborda o questionamento sobre os carros autônomos? Alguém terá que “codar” qual a ação o carro irá tomar ao ir em uma direção que poderá atropelar um número maior de pessoas quando a única outra opção seria atropelar um número menor. A engenharia terá de resolver este problema ou vai delegar essa escolha para os consumidores? Você pode comprar um carro utilitarista ou um carro kantiano.
Essas reflexões filosóficas no contexto de tecnologias são cada vez mais elementares. Grandes descobertas científicas e o desenvolvimento tecnológico que mudam nossas vidas todos os dias possuem outros lados nefastos.
O automóvel, ainda não autônomo, por exemplo, que permite que nossas vidas sejam mais fáceis, possibilitam viagens, encurta distâncias e permite bastante conforto, também é motivo das principais causas de morte no mundo por acidentes, além de contribuírem decisivamente para poluição e aquecimento global. Outro exemplo mais recente é o Facebook que foi criado inicialmente com o objetivo de construir uma comunidade global, mas a partir dos seus algoritmos ele contribuiu muito para que as diferenças e polaridades ficassem ainda mais a vista, dividindo grupos.
A lista é bastante extensa de exemplos e poderia ser utilizada a máxima de que o problema não é a tecnologia, mas quem e como a utiliza. Isso não é o suficiente. Além dos objetivos genuínos dos inventores de melhorar o mundo, estes podem ser interrogados sobre como criar mecanismos para que as tecnologias possam ser bem utilizadas. Quando a bomba atômica foi lançada nas cidades de Hiroshima e Nagasaki, Einstein, horrorizado e que havia se posicionado contra o desenvolvimento dessa tecnologia da qual a sua teoria contribuiu, afirmou “se eu soubesse, deveria ter me tornado relojoeiro”.
Por mais difícil que possa ser a previsão de como as tecnologias possam ser usadas, a reflexão e os questionamentos serão sempre relevantes.
E você, como a sua tecnologia pode destruir o mundo?
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Daniel Pimentel é advogado pela Universidade Federal de Juiz de Fora, mestre em modelagem de sistemas complexos pela Universidade de São Paulo, idealizou e coordenou o primeiro Ranking de Universidades Empreendedoras e atualmente é Diretor de Universidades e Transferência de Tecnologia na Emerge.