Uma reflexão sobre o Nobel em termos de invenções versus descobertas e a ciência empreendedora do físico brasileiro Marcelo de Sousa.      

O empresário-inventor sueco Alfred Nobel, falecido em 1896, deixou a quase totalidade da sua fortuna para constituir uma série de prêmios, a serem conferidos anualmente a pessoas que “propiciem os maiores benefícios à humanidade”. Esses benefícios derivariam de descobertas ou invenções de alta relevância nos campos da Física, Química, Fisiologia/Medicina, Literatura e Paz.

O legado inicial, equivalente em moeda de hoje a US$ 214 milhões, é gerido pela Fundação Nobel. Doação do Banco Central da Suécia, em comemoração ao seu 300º aniversário, levou à criação, em 1968, de um prêmio em Ciências Econômicas “em memória de Nobel”, que é anunciado anualmente na sequência dos prêmios Nobel originais.

Surpreende a origem da motivação do patrocinador. Titular de 355 patentes, a mais famosa das quais a da dinamite, Alfred ficara chocado ao ler o seu obituário, prematuramente publicado num jornal francês. Tratava-se de uma “barriga” no jargão jornalístico, pois quem havia falecido era o seu irmão. O título contundente da matéria (“Faleceu o mercador da morte”) fê-lo preocupar-se com a imagem pela qual viria a ser evocado, levando-o a reescrever o testamento, desta vez com a doação à nobre causa que imortalizou o seu nome.

Até 2019 foram contempladas 950 pessoas e organizações. O Massachusetts Institute of Technology (MIT), universidade sede desta coluna, abriga 94 laureados/as, sendo que 11 ainda estão atuando na instituição.

A análise global dos prêmios concedidos nas áreas da ciência “dura” tem gerado algumas apreciações negativas. Uma delas considera que as premiações privilegiam as descobertas em detrimento das invenções.No caso da Física, por exemplo, 77% dos prêmios foram concedidos para descobertas. O argumento é ilustrado pela atribuição, em 2000, do prêmio a Jack Kilby, co-inventor do circuito integrado quando atuava na empresa Texas Instruments.

Essa invenção transformou as organizações e o estilo de vida de grande parcela da população mundial, num tempo reduzido, pela via dos computadores pessoais, viabilizada pelo invento. Concluem os críticos que premiar uma proporção maior de invenções poderia estimular cientistas a direcionar mais seus esforços para os grandes desafios contemporâneos da humanidade, em alinhamento ao desejo inicial de Alfred Nobel.

Esse argumento reverbera no “curtoprazismo”, presente no meio empresarial (em busca do resultado trimestral ou, quando muito, anual) e no meio governamental (com mandatos de quatro anos, que na prática são pouco mais de três, pela desincompatibilização necessária para concorrer à reeleição). Mas encontra objeções expressivas na comunidade de pesquisa.

A história da brasileiríssima empresa Bright Photomedicine nos mostra a oportunidade de colher frutos saborosos também em descobertas, cujo ciclo de maturação típico é mais longo do que o de invenções. Essa startup intensiva em conhecimento criou tratamentos digitais a partir de conhecimentos científicos sobre a interação entre luz, neurônios e dor. A inovação derivou do aproveitamento combinado das contribuições à ciência de Albert Einstein (Nobel de Física, 1921) e Eric Kandel (Nobel de Medicina/fisiologia, 2000).

Num dos artigos que publicou no Annus mirabilis de 1905 Einstein descreveu de forma heurística a relação dos “quanta de luz”, hoje conhecidos como fótons, e os átomos. Essas ideias explicaram o efeito fotoelétrico, pelo que foram fundamentais para o desenvolvimento inicial da teoria quântica, abriram novos horizontes para a óptica e, ainda, possibilitaram entender detalhadamente os níveis de energia dos átomos. Eric Kandel descobriu a base neurocientífica de como os seres aprendem.

O seu “momento eureca” ocorreu enquanto ele estava estudando um caracol marinho, que tem um sistema nervoso simples. Quando o molusco aprendia algo, os sinais químicos alteravam a estrutura das conexões entre as células, as sinapses. Mostrou também que as memórias de curto e longo prazo são formadas por sinais diferentes. Isso ocorre em todos os animais que aprendem, inclusive os humanos.

Essas descobertas iluminaram os neurônios de Marcelo Sousa, físico cearense com doutorado na Universidade de São Paulo e pesquisador visitante na Harvard Medical School.

Ele desenvolveu uma teoria que se baseia no efeito fotoelétrico e na alteração de sinais químicos para gerar efeitos analgésicos. Usou a absorção dos fótons no interior de neurônios para modificar a forma como os estes sinalizam a dor.

Breve explicação: a mitocôndria existente nos neurônios produz energia, que é armazenada em moléculas de adenosina trifosfato (ATP). Essas funcionam como pequenas baterias para as nossas células e organismo. O interessante é que, ao absorver fótons pelo efeito fotoelétrico, as mitocôndrias conseguem produzir maior quantidade de ATP. Que, por sua vez, é usada pelo organismo para produzir substâncias que modificam a sinalização neural nas sinapses, de maneira semelhante à descrita por Kandel.

A maneira precisa, acurada e replicável de induzir os organismos a produzir remédios endógenos (gerados dentro do organismo) foi denominada por Marcelo de “transdução de energia em remédio gerado pelo organismo” (o acrônimo “tergo”).

Para fazer o resultado da pesquisa científica sair da bancada do laboratório e contribuir para a mitigação das dores que afligem 2,5 bilhões de pessoas no mundo, Marcelo empreendeu, em 2014, a Bright Photomedicine.

Por meio dos tratamentos digitais, ela desenvolveu inicialmente soluções para as dores crônicas e severas de osteoartrose, artrite e reumatismo, sem os efeitos colaterais associados às cirurgias e analgésicos.

Uma fotoformulação é aplicada a cada paciente a partir das características individuais, por meio de um aplicativo móvel e de equipamento que reproduz a fotobiomodulação. Trata-se de um processo não invasivo e não térmico, que utiliza a energia luminosa para estimular o metabolismo celular que promove a redução da dor e das inflamações, acelera a cicatrização e potencializa a cura. Com os transdutores nas posições indicadas para o paciente o/a terapeuta aciona a “tergoterapia” que, habitualmente, dura entre 5 e 15 minutos.

A empresa começou a escalar em 2019, após receber investimentos da Fapesp, fundos de investimento e via equity crowdfunding, bem como as aprovações necessárias na Anvisa [Agência Nacional de Vigilância Sanitária] e o depósito de patente no INPI [Instituto Nacional de Propriedade Industrial]. Mas essa jornada empreendedora está em sua etapa inicial. Sagres Brasil deseja ao navegador uma excelente continuação da viagem, que naturalmente terá períodos de bonança e outros nem tanto.

Ao longo das suas jornadas pelos mares do empreendedorismo inovador, os/as navegadores/as poderão estimular os seus neurônios lendo a iluminadora obra The Age of Insight: The Quest to Understand the Unconscious in Art, Mind, and Brain, from Vienna 1900 to the Present. Publicada em 2012 por um dos dois gigantes sobre os ombros dos quais se apoia o doutor Marcelo, a obra resulta da retomada de relacionamento de Eric Kandel com Viena, sua cidade natal, de onde teve que fugir com sua família em 1938, quando tinha 9 anos, em decorrência do antissemitismo galopante.

Assim como Einstein, que deixou a Alemanha quando o regime nazista tomou o poder, Kandel foi acolhido pelos Estados Unidos da América. Essa nação ganhou um forte poder de atração de pessoas excepcionalmente talentosas nos diversos campos da pesquisa científica. As resultantes dessa postura estão bem documentadas e são notavelmente positivas. Da mesma forma que na Escola de Sagres original, um espaço que abrigava cristãos, judeus e mouros, a viagem pelos mares da produção de conhecimento e sua transposição em empreendimentos nos dias de hoje é melhor quando a tripulação é diversa.