O que são as terapias com luz e como funcionam

A terapia com luz, ou fototerapia, é um dos métodos terapêuticos mais antigos usados pelo homem. Historicamente, a helioterapia (do grego “helios”, que significa “sol”, e “therapeia”, que significa “tratamento”) tem suas raízes em civilizações antigas, como a Grécia Antiga e o Egito, que já reconheciam os benefícios terapêuticos da luz solar. Hipócrates, considerado o pai da medicina ocidental, utilizava a helioterapia na tentativa de curar diversas doenças. 

 

Mais recentemente, com os avanços da ciência moderna, a fototerapia ganhou uma nova cara. Em 1895, o médico e cientista faroense (Ilhas Faroé, Dinamarca) Niels Ryberg Finsen usou feixes concentrados de luz ultravioleta para tratar – com algum sucesso – pacientes com lúpus vulgaris, uma forma de tuberculose que ataca a pele. Pouco tempo depois, em 1903, ele foi agraciado com o Prêmio Nobel de Medicina e Fisiologia, abrindo um novo caminho para a medicina. 

 

No mesmo ano, o farmacologista austríaco Hermann von Tappeiner, juntamente com o dermatologista alemão Albert Jesionek, utilizou compostos químicos específicos para tratar várias doenças de pele. Esses compostos são chamados de substâncias fotossensibilizantes e, após serem administrados ao paciente por via intravenosa ou tópica, absorvem a luz e produzem radicais livres de oxigênio, que são tóxicos para as células cancerígenas ou outras células indesejadas. Esse tratamento é conhecido atualmente como terapia fotodinâmica (TFD).

O avanço deste tipo de tratamento ao longo do tempo

Por um tempo, a fototerapia foi amplamente difundida, mas acabou sendo substituída pelos antibióticos. Foi em 1960 que as coisas mudaram novamente. Neste ano, o físico estadunidense Theodore Harold Maiman desenvolveu o primeiro laser (acrônimo inglês para “light amplification by stimulated emission of radiation”, ou seja, amplificação de luz por emissão estimulada de radiação). De forma simplificada, o laser é um dispositivo que produz radiação eletromagnética (luz) com características específicas: a luz é monocromática (com comprimento de onda bem definido); coerente (todas as partículas que compõem o feixe de luz emitido estão em fase); e colimada (propaga-se como um feixe de ondas paralelas). 

 

Maiman dizia que o laser era uma solução procurando problemas e, de fato, a tecnologia revolucionou a ciência moderna. Atualmente, o laser encontrou incontáveis problemas para solucionar: desde de sistemas de comunicação (fibra óptica) à processos de manufatura (corte, soldagem, marcação e gravação em metais, plásticos e outros materiais) e até em pesquisa espacial. A medicina não podia ficar de fora. 

 

Em 1967, o médico húngaro Endre Mester utilizou um laser de rubi operando em baixa intensidade para estudar se a luz poderia causar câncer em camundongos. Para sua surpresa, ao invés de desenvolver câncer, o pelo dos animais regenerou-se mais rapidamente do que o normal. Isso ficou conhecido como a primeira demonstração de estimulação biológica (bioestimulação) causada por laser e, consequentemente, Mester ficou conhecido como o pai da laserterapia de baixa potência (ou low-level laser therapy, em inglês). 

 

Foi só na década de 1990 que a laserterapia de baixa potência teve algum reconhecimento nas ciências fundamentais. Nesta época, a física estoniana Tiina Karu, professora da Academia de Ciências da Rússia, decifrou algumas das respostas celulares causadas por fototerapia utilizando metodologias mais rigorosas. Atualmente, já sabemos um pouco mais sobre a cascata de eventos fisiológicos induzidos pela exposição do tecido biológico à radiação eletromagnética, tornando-nos mais capazes de aproveitar a energia da luz para diversas finalidades terapêuticas.

 

Como a bioestimulação causada por luz não se restringe ao uso de laser de baixa potência, a laserterapia é atualmente mais conhecida como fotobiomodulação (FBM). A FBM terapêutica tornou-se um interesse altamente comercializado. Em 2013, durante o doutorado, e como pesquisador visitante em Harvard, o físico brasileiro Marcelo Pires idealizou os fotocêuticos. Os fotocêuticos são a FBM customizada, que utiliza cálculos computacionais para dosagem de luz, levando em conta as especificidades da doença e do paciente. A FBM aplicada pela fotocêutica produz resultados mais previsíveis e efetivos.  

 

Além da FBM, a TFD também se aproveitou da tecnologia laser para mostrar o seu potencial em solucionar diversos problemas da medicina. O físico brasileiro Vanderlei Bagnato vem há mais de 20 anos pesquisando como o laser pode ser utilizado juntamente com substâncias fotossensibilizantes para tratar doenças.

Recentemente, em junho de 2023, a Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (CONITEC) recomendou ao Ministério de Saúde a incorporação da terapia fotodinâmica como tratamento para câncer de pele no Sistema Único de Saúde (SUS). A tecnologia é pioneira no Brasil e no mundo.

 

Apesar do grande sucesso da fototerapia (tanto FBM quanto TFD), a falta de padrões regulatórios torna difícil tirar conclusões claras sobre eficácia e segurança de todas essas aplicações, tornando crucial o entendimento mais profundo sobre a base teórica por trás destes mecanismos.

Inserção da Biologia Quântica neste contexto

A biologia quântica, que surgiu recentemente, estuda os efeitos atômicos presentes em sistemas biológicos e sua influência nos processos vitais. Segundo a pesquisadora brasileira Clarice D. Aiello, líder do laboratório de biologia quântica da Universidade da Califórnia (QuBiT Lab – UCLA), esse campo explora os graus de liberdade quântica intrínsecos à matéria biológica, como a interação entre a luz e os sistemas vivos. Ao entender e controlar esses fenômenos quânticos, é possível desvendar os mecanismos subjacentes à FBM e à TFD. 

 

Por ser mais amplo que apenas a interação entre luz e matéria biológica, a biologia quântica tem grande potencial de revolucionar a nossa compreensão da biologia, favorecendo o desenvolvimento de tecnologias para medicina e/ou tecnologias inspiradas na natureza. Um exemplo disso é a maneira como as aves navegam. Para se localizar e migrar entre continentes, alguns pássaros (e outros animais) utilizam o campo magnético terrestre, que é extremamente fraco. Compreender este mecanismo pode nos auxiliar na detecção mais precisa do campo magnético terrestre, influenciando, por exemplo, tecnologias de navegação. 

 

Evidências sugerem que essa detecção de campo magnético (ou magnetorecepção) seja consequência de uma propriedade quântica dos átomos presentes em moléculas específicas existentes em células de algumas aves. Essa propriedade é chamada spin, e o seu comportamento pode variar conforme a exposição ao campo magnético. O resultado de algumas reações químicas pode variar dependendo do spin e, consequentemente, do campo magnético.    

 

Hoje, não há dúvida de que as reações dependentes do spin desempenham papéis importantes em sistemas biológicos de laboratório. Por exemplo, é incontestável que efeitos quânticos (neste caso, superposições) possam se manifestar em proteínas tempo suficiente para influenciar processos químicos. No entanto, ainda não existem evidências experimentais inequívocas de que moléculas dentro de uma única célula viva possa manter ou utilizar estados de superposição, como seria necessário, por exemplo, se as aves realmente utilizassem um processo quântico para migrar.

 

Essa falta de verificação experimental é uma das principais razões pelas quais o campo é considerado inconsistente pelos financiadores e pelas comunidades estabelecidas de física quântica e biologia. Superar essa lacuna exigirá a realização de medições verdadeiramente quânticas dentro da matéria biológica, usando combinações desafiadoras de instrumentação quântica e técnicas de laboratório.

 

No início de 2020, a brasileira Clarice D. Aiello, juntamente com outros cientistas internacionais, iniciou uma comunidade internacional de biologia quântica. Posteriormente, Clarice e Marcelo Pires iniciaram um projeto análogo no Brasil, formando a Comunidade Quantum Bio Brasil. Atualmente, em parceria com o Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino (IDOR) e inserida na iniciativa sem fins lucrativos Ciência Pioneira, a comunidade vem crescendo e conectando diversos pesquisadores e estudantes do país.    

 

Outra razão pela qual a biologia quântica tem dificuldade de ser aceita como um campo independente é a falta de instituições especializadas. No mundo, existem poucos institutos onde especialistas interdisciplinares possam trabalhar juntos para compreender como células e organismos estão utilizando efeitos quânticos para funcionar de maneira ideal. Um exemplo disso é o recém-criado Instituto de Ciências da Vida Quântica (Institute for Quantum Life Science) no Japão, que reúne químicos, biólogos, engenheiros, clínicos, físicos, entre outros. 

Em conclusão, o mundo está se mobilizando para investigar os fenômenos mais fundamentais da biologia. Ao compreender esses mecanismos, nos tornamos capazes de desenvolver tecnologias para medicina, como FBM e TFD, e tecnologias inspiradas na natureza, como navegação baseada em magnetorecepção. O Brasil encontra-se em uma situação interessante, já que nenhum país se destacou e/ou apresenta vantagem diante os demais. Com diversos pesquisadores relevantes no cenário internacional e com uma comunidade de biologia quântica em crescimento, o Brasil tem grande potencial de se destacar neste campo emergente da ciência. Para isso, é fundamental o investimento governamental e da indústria.  

Sobre a Comunidade de Biologia Quântica

A comunidade Biologia Quântica Brasil é formada por um grupo multidisciplinar com o objetivo de integrar e compartilhar conhecimentos científicos na tentativa de entender como as mais diversas áreas de estudo podem contribuir para o surgimento e para a compreensão da biologia quântica no Brasil e no mundo. Para entrar no grupo, basta enviar um e-mail solicitando a participação para quantumbio@cienciapioneira.org

Marcelo Sousa

Marcelo Sousa é mestre e doutor em física pela Universidade de São Paulo , com doutorado sanduíche em Harvard. Professor da UFC e pesquisador do IDOR, é fundador da startup brasileira Bright, que utiliza fotobiomodulação para tratamento de dores crônicas. Marcelo é um grande entusiasta da Biologia Quântica e utiliza seus fundamentos para compreender a interação entre luz e matéria biológica.

Matheus Araña

Matheus Araña é graduado em física pela UFSCar e atualmente está concluindo sua formação com doutorado na École polytechnique de Paris. Como pesquisador associado do IDOR, e tendo passado por laboratórios do InCor e Institut Pasteur, Matheus estuda propriedades mecânicas que influenciam na diferenciação celular. Para isso, utiliza microscopia avançada que se beneficia das propriedades quânticas não lineares da luz.