Pluricell: a startup de base científica nacional que já está atuando no mercado de medicina regenerativa utilizando células tronco.         

Quando falamos em vida, a unidade básica estrutural e funcional é a célula. Isso vale para os cinco reinos biológicos que habitam o planeta Terra – bactérias, protozoários, fungos, plantas e animais. Os humanos têm mais de 200 diferentes tipos de células, tais como as células cerebrais, as células cardíacas e as células sanguíneas. As células-tronco constituem um tipo especial, por serem capazes de se autorreplicar e dar origem a células especializadas. Os avanços recentes da ciência nesse campo tornaram-no o centro de intensos debates nos âmbitos médico, ético e, mais recentemente, também no de negócios.

Um acontecimento que jogou mais luz a este debate foi o Prêmio Nobel de Fisiologia/Medicina de 2012 a John B. Gurdon, da Universidade de Cambridge, e a Shinya Yamanaka, da Universidade de Quioto, “por descobrirem que células maduras podem ser reprogramadas para se tornarem imaturas e pluripotentes”. Em outras palavras, cientistas desenvolveram uma tecnologia que permite induzir, por exemplo, que células da pele voltem a ser células-tronco. Por sua vez, essas células-tronco reprogramadas podem se diferenciar em outro tipo de célula especializada.

Uma aplicação dessa tecnologia para a medicina regenerativa motivou uma startup brasileira de base científica brasileira a desenvolver terapias celulares para pacientes com problemas cardíacos. A PluriCell Biotech, cofundada pelos cientistas empreendedores Diogo Biagi e Marcos Valadares, nasceu a partir das pesquisas sobre células-tronco pluripotentes que desenvolveram durante o doutorado na Universidade de São Paulo. Antes de olhar para o mercado de medicina regenerativa, a PluriCell estava focada em simplesmente produzir células-tronco induzidas para vendê-las como insumos de pesquisa para outros laboratórios.

O modelo de negócios inicial da empresa era similar ao de um delivery de comida, ao qual se telefona quando “bate a fome”. O(a) pesquisador(a) ligaria para a empresa PluriCell quando precisasse de células-tronco para o seu laboratório e as receberia celeremente. Todavia, esse mercado era pequeno demais para sustentar as contas da empresa nascente. Assim, o modelo de negócios precisou evoluir em paralelo ao próprio avanço dos trabalhos sobre cardiomiócitos (célula muscular cardíaca) derivados de células-tronco. Em 2019, a PluriCell recebeu investimento expressivo de uma indústria farmacêutica para testar a tecnologia de tratamento de pessoas com problemas cardíacos, especialmente insuficiência cardíaca congestiva. Futuras aplicações em neurologia, oftalmologia e endocrinologia passaram a ser consideradas.

Outros exemplos promissores do uso de células-tronco são a fabricação de órgãos bioartificiais e a produção de alimentos em laboratório, área conhecida como “engenharia de tecidos”. Duas startups, com inovações desenvolvidas no Brasil, buscam exatamente estes mercados.

Tissue Labs, fundada pelo jovem médico, cientista e empreendedor Gabriel Liguori, desenvolveu uma plataforma para fabricação de órgãos e tecidos em laboratório. Essa plataforma consiste na combinação de uma bioimpressora 3D, biomateriais e células-tronco. O objetivo de longo prazo de Gabriel é bioimprimir, até 2030,  um coração funcional que possa ser utilizado em uma cirurgia de transplante de órgão. Merece registro que, aos dois anos de idade, Gabriel foi operado em decorrência de cardiopatia congênita no Instituto do Coração da USP, onde fez o seu doutorado mais de duas décadas depois. Cabe ressaltar também que a tecnologia desenvolvida pelos premiados com o Nobel permitiu a fabricação de células-tronco embrionárias sem embriões e provenientes dos próprios pacientes. Isso significa que seria possível recriar o paciente inteiro a partir de qualquer célula do seu corpo.

Biomimetic Solutions, fundada pelas pesquisadoras e empreendedoras Alana Benz, Ana Elisa Antunes, Lorena Viana e Roberta Viana em Minas Gerais, está  na corrida tecnológica para fabricar alimentos estruturados em laboratório. A inovação desenvolvida permite o cultivo de culturas 3D de células-tronco que, eventualmente, poderão se tornar bifes de carne em nossas mesas sem a necessidade de matar animais, com redução de emissão de metano e outros gases produzidos pela atividade pecuária. O processo ainda é caro e ainda não está em escala industrial, mas tem potencial promissor para suprir proteínas para uma população global crescente, revolucionando a indústria da alimentação.

Robert Hook, o primeiro pesquisador que “descobriu” as células ao olhar para um microscópio com cortiça há mais 350 anos, certamente não conseguiria vislumbrar os avanços que a humanidade acumula hoje. Mas foi esse seu olhar atento num laboratório que abriu caminhos para o entendimento da estrutura básica da vida, para o Prêmio Nobel de 2012 e para novos negócios de base científica que melhorarão a vida humana.