A trajetória do cientista empreendedor Marcelos Sousa e da Bright, startup que desenvolveu o tratamento de dor por meio do uso do “remédio digital”.

“Meu doutorado não durou cinco anos, mas 50”.

No interior do Ceará, o bisavô do Marcelo começou a construir sua casa com poucos recursos e quando finalizou a primeira parede, percebeu que deveria trazer mais tijolos para terminar o seu humilde lar. Foi quando seu neto, pai do Marcelo, disse: “papai, espera um pouco — contou quantos tijolos seriam necessários para construir uma parede, multiplicou por três — serão necessários X tijolos”. O bisavô do Marcelo ficou sem entender muito bem o que aconteceu, mas seguiu a dica daquela criança e, para sua surpresa, o número de tijolos sugeridos foi exatamente o necessário. Ao fim, aquele senhor prometeu que poderia até mesmo faltar comida em casa (“nem que a gente tenha que sobreviver com ¼ de rapadura esse menino vai estudar”), mas aquele garoto iria estudar. De fato, seu neto se formou em engenharia e, seu bisneto, Marcelo Sousa, passados exatos 50 anos dessa história, finalizou o doutorado em física-médica na USP e na Havard Medical School e fundou uma das mais promissoras startups brasileiras a parir de suas pesquisas.

Essa história nos ensina lições e trazem inspirações como perseverança, objetivo e o poder da educação, mas ela não para por aí. Para Marcelo, não bastou tornar-se renomado e premiado cientista, não se contentou com as diversas publicações, citações e patentes. Ele almeja, ainda hoje, que suas descobertas melhorem a vida das pessoas.

Graduado em física pela Universidade Federal do Ceará, no mestrado e doutorado estudou Física-médica, com foco em Fotobiomodulação. Essa consiste em luz que atravessa os tecidos biológicos até ser absorvida no interior das células pelas mitocôndrias. Nesse local, a luz otimiza o Ciclo de Krebs, responsável pela produção metabólica, o que resulta no aumento da produção de ATP (trifosfato de adenosina, ou seja, energia). A partir de uma dose exata de luz haverá produção de energia, que estimula as células liberarem anestésicos endógenos, tais como endorfina, serotonina e marcadores anti-inflamatórios. E isso tudo sem qualquer efeito colateral.

Até o seu doutorado, Marcelo nunca tinha ouvido as palavras empreendedorismo ou startup na Universidade. Foi somente em Boston, conversando com amigos do MIT que outro brasileiro e cientista empreendedor, Vitor Pamplona, falou com o Marcelo que ele tinha um produto e startup na mão.

Foi assim que Marcelo decidiu abraçar o empreendedorismo, além de sua carreira mais estável como pesquisador e professor universitário, levando suas descobertas científicas de inibição da dor para o maior número de pessoas. A perseverança, o objetivo e o poder da educação, desde antes do berço, persistiram para alcançar esse empreendimento.

Foi então que desenvolveu o dispositivo Light Aid, família de produtos e serviços, disponibilizados por equipamento de alta performance, portátil, flexível e capaz de promover a redução e bloqueio da dor em qualquer área do corpo. A Bright Photomedicine, empresa criada para explorar essa tecnologia, está localizada na incubadora de empresas de base tecnológica da USP, o Cietec. O grupo de empresas que utilizam da tecnologia por ele desenvolvida cresceu 50 vezes em valor de mercado nos últimos três anos.

Para construir essa startup de sucesso, participou desde encontros de empreendedoras de bairros do Ceará até cursos de empreendedorismo do Steve Blank em Cambridge e tornou-se professor de empreendedorismo no Insper. Recebeu prêmios acadêmicos como o CAPES melhores teses do Brasil e empresariais como o primeiro lugar no Startupfarm.

Várias conquistas foram alcançadas ao longo deste caminho, mas a trajetória do cientista empreendedor traz diversos ensinamentos que não estão nos livros, nos artigos científicos ou nos laboratórios.

Atravessar o vale da morte da inovação, levando a pesquisa da bancada para o mercado, rompendo as barreiras das diferentes mentalidades entre academia e o mundo dos negócios que muitas vezes travam este caminho; investidores que querem grande parte do negócio sem aportar o valor necessário; organizações que querem co-titularidade da propriedade intelectual sem de fato terem atividade inventiva; regulação de produtos ultrapassadas que não são adequadas para produtos disruptivos; entre tantas outras.

“Quantos não passaram por isso? Ou quantos não pararam por aí? Ou mesmo nem chegaram por não acreditarem ou saberem como, quando ou o que fazer nesses momentos cruciais?”

Por tudo isso, Marcelo não quer que os cientistas passem pelas mesmas dificuldades que passou, e deseja que tenham uma curva de aprendizado mais acelerada, para levar suas pesquisas da bancada até o mercado muito mais rápido. Para isso, tornou-se presidente do conselho cientifico da Emerge, associação que desenvolve uma comunidade de cientistas empreendedores e os auxilia a levarem seus negócios de base científica para o mercado. Um dos produtos que coordena é o EmergeLabs, o programa de formação para os cientistas empreendedores no qual serão transmitidos todos os aprendizados dos últimos anos, fazendo com que os cientistas desenvolvam seus negócios. A perseverança, o objetivo e o poder da educação permanecem sempre presentes e, assim, talvez o tempo de alcançar o seu objetivo seja reduzido da mesma forma como aumentou valor de mercado da sua empresa — Bright Photomedicine — em 50 vezes, ou como ocorreu da construção da casa do seu bisavô até o seu doutorado.