Poucos sabem, mas os biomas inovadores, hoje considerados imprescindíveis, têm data de nascimento e paternidade no Brasil – em 1984 no CNPq.   

Polos, hubs, clusters, ambientes, hábitats, ecossistemas. Esses termos passaram a frequentar o novo dicionário do desenvolvimento econômico e social. Desenvolvimento que tem na inovação o seu motor, no conhecimento o seu combustível, no empreendedorismo a sua ignição e na sustentabilidade a sua segurança. Em numerosos países esses veículos do desenvolvimento vêm sendo projetados e construídos por governos esclarecidos, coadjuvados por universidades vanguardistas. As firmas entram como “passageiros”, beneficiando-se desses veículos para chegar mais rapidamente ao destino que desejam – e desejamos todos: a competitividade estratégica do tecido empresarial brasileiro.

Esse foi também o caso do Brasil. O protótipo foi projetado e viabilizado, há exatos 35 anos, pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, o nosso conhecido CNPq. Dirigido por um intelectual iluminado, o Professor Lynaldo Cavalcanti de Albuquerque, o CNPq criou, em 1984, o “Programa Brasileiro de Parques Tecnológicos”. Seu objetivo era promover a transferência de tecnologia das universidades para o setor produtivo, desafio ainda hoje presente. Sua inspiração eram iniciativas que adquiriam visibilidade crescente: “tínhamos informações da instalação de parques tecnológicos na França e, principalmente, nos Estados Unidos, com o sucesso de Boston e do Vale do Silício, além da Inglaterra; a ideia inicial era não ficar atrás deles”. Seu modelo jurídico, de fundações de direito privado, deveria facilitar o envolvimento acadêmico e, ao mesmo tempo, facilitar a gestão das operações. Como é habitual no mundo da inovação, houve sucessos e fracassos. Das seis versões do protótipo quatro não vingaram, mas duas prosperaram e se tornaram elementos propulsores do desenvolvimento regional e nacional – Campina Grande no estado da Paraíba e São Carlos no estado de São Paulo.

E, como acontece com projetos transformadores, essa política pública pioneira gerou efeitos colaterais positivos importantes. O Programa original do CNPq foi o embrião de um movimento nacional que conta hoje com uma robusta rede de ambientes de inovação: 363 incubadoras de empresas, 43 parques tecnológicos e 53 aceleradoras de negócios, distribuídos pelo País. Segundo dados de Mapeamento divulgados esta semana, por ocasião do Innovation Summit Brasil 2019, as aproximadamente 10 mil novas empresas cultivadas pelas incubadoras geram 70 mil postos de trabalho direto, boa parte dos quais de alta qualificação, contribuindo para evitar o agravamento da perda de talentos para o exterior. Seu faturamento agregado chega perto de R$ 20 bilhões ao ano. E, o mais importante, seus produtos e serviços impactam beneficamente a saúde e a qualidade de vida da população brasileira, a educação básica de nossa juventude, a produção de alimentos para o mundo e de energia renovável, a operação das utilidades e a qualidade da gestão pública, entre outros.

A novidade é que empresas vêm assumido papel protagonista nesse movimento em nosso País, mediante um variado conjunto de iniciativas conhecidas pelo nome corporate venturing. É o caso de empresas transnacionais, tais como Google e Telefônica, que o fazem em vários dos países nos quais operam. E, crescentemente, também de empresas brasileiras de variados setores de atividade, entre as quais Bradesco e Itaú, Hospital Einstein e Totvs, Tecnisa e Cyrela Commercial Properties, Softplan e Porto Seguro. Embora não seja um fenômeno novo, quer no exterior como no Brasil, o corporate venturing adentrou recentemente o imaginário corporativo, tornando-se um objeto de desejo de diversos executivos. Contudo, os resultados iniciais recomendam cautela. Como indica a literatura internacional sobre o tema, entre um terço e metade dessas iniciativas são descontinuadas após 12 meses. Também no Brasil testemunhamos isso. Por exemplo, a curta vida da Abril Plug & Play, aceleradora criada mediante parceria entre a Editora Abril e a Plug & Play, conhecida aceleradora do Vale do Silício.

Estudo recentemente divulgado pelo Sebrae e Anprotec mergulha no variado, mas ainda algo nebuloso mundo do corporate venturing – na sua evolução, no panorama nacional, nas mentes dos agentes, dirigentes de empresas e empreendedores brasileiros, em casos de sucesso e de fracasso. Estes decorrem de variadas causas. Entre elas está a ausência de uma visão alinhada das áreas da empresa de grande porte sobre o que quer com o “mantra” da inovação. Outra é a dificuldade de gestores de grandes empresas de diferenciar uma startup de um fornecedor tradicional. Propõe daí um “caminho das pedras” que contribua para a criação de iniciativas de corporate venturing, pelo seguimento de uma trilha de nove passos.

Os numerosos tipos de ambientes de inovação fazem parte de biomas inovadores, que envolvem outros agentes – instituições científicas e tecnológicas, empresas de todos os setores, entidades governamentais dos três poderes e organizações da sociedade civil, entes da economia informal e órgãos da imprensa. Um bioma inovador referencial se desenvolveu a partir do primeiro parque tecnológico, criado em 1951 pela Stanford University. É o que se convencionou chamar de Vale do Silício, nucleado em Palo Alto, no estado da Califórnia.

Os resultados alcançados pela iniciativa pioneira em Palo Alto inspiraram diversas outras ao redor do mundo, estimulando ambientes focados em geração de empreendimentos inovadores e o crescimento da economia baseada na inovação e no conhecimento. É o caso de cidades como Manchester, Berlim, Toronto e Barcelona, entre numerosas outras. Atualmente está bastante em voga Israel, um bioma inovador empreendedor que cobre um país inteiro – verdade que de área pequena, menor do que o estado de Sergipe. Pelo seu papel propulsor, merece destaque a cidade de Haifa, que sedia o Technion, universidade propulsora da que hoje é conhecida como “startup nation”.

Onde está o Brasil hoje nesse cenário? Desde a iniciativa pioneira do CNPq podemos reconhecer biomas inovadores em diversas regiões do País, alguns sediados em capitais e outros em cidades de pequeno porte. A título de exemplo mencionam-se dois.

Em Minas Gerais há mais do que pão de queijo. Santa Rita do Sapucaí é conhecida como o Vale da Eletrônica. Com menos de 40 mil habitantes, possui cerca de 150 empresas com um faturamento anual conjunto de R$ 3.2 bilhões, gerando 15 mil empregos diretos e investindo, em média, 9% do faturamento em P&D.

Em Florianópolis não há só frutos do mar. Segundo os dados da Associação Catarinense de Empresas de Tecnologia (Acate), existem mais de 900 empresas de tecnologia que, juntas, faturam mais de R$ 5,4 bilhões ao ano, contribuindo à economia da cidade mais do que o turismo pelo qual a ilha é famosa.

A capacidade de articulação dos diversos agentes públicos e privados, a diversidade e qualidade dos ambientes de inovação e o dinamismo dos agentes estimuladores do empreendedorismo justificou a escolha de Florianópolis para sediar, nesta semana, o primeiro Innovation Summit Brasil, iniciativa da pioneira Rede Nacional de Associações de Inovação e Investimento.