Dois experimentos recentes mostram que é, sim, possível o ajustamento mútuo entre acadêmicos e empresas para a geração de negócios inovadores.

A primeira expedição destes navegantes propôs uma abordagem alternativa para potencializar a decisão de investir na inovação: avançar de políticas para inovação para políticas pela inovação. Na expedição subsequente exploramos casos de sucesso, no Brasil e no exterior, da aplicação dessa abordagem ao campo das políticas públicas. Verificamos que ela permitiu que cidades grandes e pequenas, regiões e nações conseguissem dar saltos adiante (leapfrog) no seu estágio de desenvolvimento e no bem-estar das respectivas sociedades.

Nesta terceira expedição, focalizaremos a possibilidade de utilização dessa abordagem alternativa no campo das políticas empresariais. Dois cuidados inversos precisam ser tomados para não atolar no lamaçal das propostas sonhadoras irrelevantes. O primeiro é evitar a generalização simplificadora, que ocorre quando se trata, sem diferençar, empresas de todos os portes, setores, origens e níveis de maturidade. Essa generalização indevida faz com que as recomendações de parcela elevada dos textos sobre a imprescindível cooperação empresa-universidade (e instituto de pesquisa) tenha efeito prático pífio.

O segundo cuidado é evitar segmentar radicalmente, tratando cada parcela do meio empresarial isoladamente. Artigo recentemente publicado na segunda edição da MIT Sloan Review Brasil pelo Professor Marcelo Hiroshi Nakagawa junto com dois dos tripulantes desta coluna confirma a importância de, respeitando as diferenças, articular segmentos distintos. Nele se mostra como “a relação de corporações e startups pode ir além do investimento ou parceria e se tornar uma grande onda de criação de valor para ambas”.

O interesse das corporações nessa relação se intensificou recentemente pela ascensão do tema inovação na agenda executiva. Todavia, esse que é atualmente um dos principais assuntos do mundo corporativo permanece sendo um terreno nebuloso para numerosas organizações. Pois existe uma relação paradoxal entre a necessidade de entregar resultados no curto prazo – no limite, a cada trimestre, e a conduta de desenvolver inovação para buscar sustentabilidade dos negócios no longo prazo. Como consequência, tem-se a criação de projetos que possuem foco no longo prazo, mas que duram um tempo inferior ao necessário para isso.

Devido aos múltiplos desafios e modelos de inovação, alcançar resultados práticos muitas vezes é uma tarefa incerta demais para sustentar um voo de longa duração no tema. Algumas organizações, sob a pressão de precisar inovar, criam iniciativas focadas em encontrar soluções inovadoras para o negócio existente. Essas iniciativas envolvem, tipicamente, inovações incrementais. Nessa perspectiva observamos o surgimento de uma profusão de programas de relacionamento com startups a fim de encontrar soluções prontas, ou quase, para problemas vividos atualmente nas companhias.

No entanto, focar exclusivamente nessa esfera pode limitar os resultados alcançados quando há a necessidade de desenvolvimento da solução, mediante realização de pesquisa e desenvolvimento, devido à inexistência de técnicas para aquele fim. Como superar essa incongruência?

Compartilhamos dois achados da presente expedição, ambos viabilizados pela abordagem do ajustamento mútuo:

• O primeiro achado envolve agentes empresariais já existentes. Como em qualquer relação sinérgica, é imprescindível haver ajustamentos mútuos quando as trajetórias da corporação e da empresa nascente inovadora buscam convergir. Por exemplo, a corporação precisa aprender a tratar a startup com protocolo diferente daquele que sua área de compras adota para se relacionar com fornecedores. E a empresa nascente inovadora precisa aprender a lidar com o fato de que é curto o horizonte de tempo para avaliação do retorno em parcela substantiva das corporações. Esse é um desafio cultural, especialmente para a startup intensiva em conhecimento derivado de pesquisa científica ou tecnológica, que naturalmente está acostumada à dinâmica de ‘investimento paciente’ das agências públicas.

Como apontado no artigo mencionado, historicamente, o tempo médio de vida das iniciativas de corporate venturing tem sido de escassos doze meses. Pois, após dissipar-se o fascínio midiático do enlace entre a megacorporação e a liliputiana startup, começam as cobranças por “retorno sobre o investimento”. Para evitar esse ‘voo de galinha’, o ajustamento mútuo preconizado deve desejavelmente levar à devida integração da empresa nascente inovadora não apenas com a estratégia da empresa e sua visão de futuro, mas, principalmente, com as metas dos seus executivos. Que também afeta a remuneração variável destes.

• O segundo achado é o envolvimento ativo de corporações para estimular e cultivar a aceleração de negócios no ambiente acadêmico. Trata-se de um avanço no relacionamento empresarial com as universidades e institutos de pesquisa, em que as práticas consagradas são a contratação de pesquisa e desenvolvimento e o licenciamento de resultados de pesquisa produzida nas universidades, patenteada ou não. Nesses dois modelos tradicionais há uma divisão de trabalho em que a transposição dos resultados do novo conhecimento em soluções comercializáveis ficava total e exclusivamente com a corporação. Ocorrendo o imprescindível ajustamento mútuo, empresa e academia pactuam uma sobreposição parcial de seus campos de atuação. Como ajudar essa transformação cultural a ocorrer de forma a beneficiar e ser percebida como benéfica para ambos?

Os tripulantes desta coluna puderam vivenciar dois experimentos recentes de apoio à construção de um processo planejado para galgar os resultados de grupos de pesquisa acadêmicos em negócios inovadores. Ambos envolvem, de um lado, corporações industriais do campo da saúde – uma multinacional e a outra nacional e, do outro lado, instituições acadêmicas públicas. Em ambos foram utilizadas entidades externas (terceira parte) como recurso essencial para animar e dar conteúdo a esse processo. Essas entidades, ambas sem finalidade econômica, tinham como ativos principais a forte inserção no ambiente acadêmico, o fácil diálogo com o meio empresarial e um conhecimento aprofundado do ecossistema de inovação brasileiro, ainda em fase de amadurecimento.

De forma sintética, esse programa de aceleração específico envolveu os elementos típicos de todo programa de aceleração:

(i) o recrutamento de projetos de pesquisa acadêmica de relevância científica e interesse social, a partir de uma divulgação ativa e de chamada pública;

(ii) a seleção dos projetos a serem acelerados, mediante um procedimento multicritério robusto e idôneo;

(iii) uma série de atividades em grupo e individuais, num período da ordem de quatro meses, para que os pesquisadores e as pesquisadoras possam desenvolver e refinar planos de comercialização e identificar parceiros para as tecnologias desenvolvidas; contempla, sem a elas se limitar, seminários, oficinas, sessões de mentoria individuais e encontros programados com parceiros externos; e

(iv) apresentação final objetiva e concisa – conhecida como pitch, para um comitê plural experiente, com competência comprovada nos elos da cadeia de valor do setor específico, complementado por partes interessadas importantes (no setor de saúde, especialistas em regulação, por exemplo). Essa apresentação gera críticas e recomendações valiosas, que direcionam os passos seguintes das tecnologias aceleradas.

Mais do que as organizações do futuro, as organizações do presente precisam ter a inovação como parte de suas estratégias. Apesar das incertezas e das dificuldades em explorar todo o espectro do tema, é necessário iniciar a mobilização para desenvolver esses projetos. E a boa notícia é que o Brasil possui um grande potencial ainda inexplorado para isso e que há empresas que já estão se movimentando na direção de aproveitá-lo. Seguir esse movimento e aprender esses passos pode ser uma alternativa para se alcançar esses objetivos e singrar os próximos ‘oceanos azuis’ do mercado.

Em tempo: A ‘estratégia do oceano azul’ é uma teoria criada por W. Chan Kim e Renée Mauborgne, ambos professores da Escola de Negócios Insead plasmada em um livro homônimo, publicado em 2005. Propõe que, para se perenizarem, as empresas devem ampliar o seu mercado pela inovação. Trata-se de contraposição a se dedicarem à competição ferrenha nos mercados existentes, pensamento estratégico prevalente denominado “oceano vermelho”, por gerar vencedores e vencidos.